A alemã Nahyra Schwanke, que chegou ao Brasil ainda bebê, tem 88 anos de vida e 60 de estrada. Não é à toa que carrega o título de caminhoneira mais antiga do Brasil. Subiu pela primeira vez em um caminhão aos 28 anos por necessidades familiares e, eventualmente, dirige até hoje. A mãe tinha um comércio pequeno, que cresceu rapidamente, no município de Não-Me-Toque (RS). Daí surgiu a obrigação da compra de um veículo para otimizar a distribuição do que era plantado na roça. “Como eu já dirigia trator, ela me disse para eu tirar uma licença, porque, dali em diante, eu faria as entregas”.
Desde que começou, não parou mais. Rodou o Brasil de ponta a ponta. A cada dia, se tornava mais conhecida. Passou a ser contratada por transportadoras para fazer o deslocamento das cargas – na maior parte das vezes, leite, arroz e cevada. Da vida na estrada, tem recordações felizes e tristes. “Passei muita fome, porque não conhecia as cidades, pegava muito frete barato e sempre ia sozinha. Mas tudo tem um lado bom. Fiz bastantes amizades. Hoje eu demoro para voltar para as cidades, mas, quando retorno, sempre me perguntam com carinho por onde eu andava”, lembra.
A caminhoneira teve que conciliar a profissão com o papel de mãe da filha Saleti. “Quando viajava, eram cerca de cinco dias para ir e mais cinco para voltar. Tinha que deixar a menina com meus pais. Naquele tempo, não havia celular. Esperava encontrar um posto de gasolina para ligar para casa e ter notícias”. Na estrada, sofreu preconceito. “Sempre faziam brincadeiras e me perguntavam se eu sabia dirigir ou até mesmo se eu não tinha vontade de me casar. Eu não ligava. Eram poucos os comentários e, na maioria das vezes, os homens me ajudavam”, ressalta.
Hoje, a agilidade já não é mais a mesma, nem a saúde. Nahyra passou recentemente por problemas sérios no pé e correu o risco de ter as pernas amputadas. Mas, mesmo com mais dificuldade, assim que se recuperou, voltou para o caminhão, hoje automático. As viagens também diminuíram, mas ainda acontecem. A receita para a longevidade sempre foi não discutir com ninguém e dirigir dentro da lei. “Nunca tombei nem virei o caminhão. Multas foram poucas. Também não me envolvi em acidentes. Eu gosto mesmo é de dirigir”. O atual caminhão é novo. E, apesar de ter capacidade para 40 toneladas, ganhou um apelido da dona. “Quando eu saio com ele, sempre falo: ‘vamos, trenzinho!’. E sigo viagem”.
Tradição de família inspira motorista de ônibus
Desde criança, Solange Correa já sabia a sua vocação. “Eu olhava para o ônibus e dizia: um dia vou ser motorista. Minha mãe perguntava se eu tinha certeza, e eu dizia que era o meu sonho. Hoje estou aqui”, diz. São 27 anos no modal rodoviário, sendo 18 como motorista. Começou como cobradora, foi manobrista e depois se tornou condutora. A família de irmãos carreteiros e de irmã motorista foi o incentivo necessário para que ela seguisse na profissão.
Coragem não faltou para lidar com o universo essencialmente masculino. “Aqui tem muito homem. Geralmente, nas reuniões da empresa, vão uns 30 homens e só eu de mulher. Inclusive, quando eu vim fazer o teste, só havia eu de mulher e 29 homens. Eles perguntavam se eu ia dar conta. Resultado: dez homens foram reprovados e eu passei”, lembra.
Segundo ela, além do estigma de que a profissão “é de homem”, é preciso pulso para lidar com o preconceito da sociedade. “Já teve passageiro que, quando viu que eu estava dirigindo, falou que não ia seguir viagem. Eu percebo muita hostilidade, inclusive das próprias mulheres. Só lamento para elas. Perderam uma grande motorista.”
Solange acredita que as profissionais do sexo feminino devem ter mais coragem para ingressarem no setor, mesmo com todos os estigmas. “Falta mulher de peito para dizer: ‘eu quero, eu vou’. Existe muita cobradora que quer ser motorista. Eu falo: vai à luta. Se eu passei, você também consegue.”
O amor pela profissão está estampado nas palavras da motorista. “Eu me sinto muito responsável pelo ônibus. Transporto vidas ali. Algumas vezes, levo 135 pessoas em uma viagem. Qualquer vacilo pode ser fatal. A gente deve ter atenção, responsabilidade e firmeza”, pondera. E finaliza ao dizer como se sente ao dirigir: “Eu me sinto livre, leve e solta. Conduzo melhor que muito homem aqui. São meus próprios colegas de trabalho que dizem”, brinca.
Mais que taxista, conselheira dos passageiros
A taxista Márcia de Almeida começou na profissão por acaso. Após o falecimento do pai, também taxista, e de o irmão não ter levado o ofício adiante, a mãe resolveu passar a licença do veículo para ela. O amor pelo táxi foi instantâneo. “É algo que eu faço com gosto. O trânsito não me estressa. Cada dia é uma novidade. Você acaba virando psicólogo porque ajuda o passageiro a resolver as coisas dele”, diz.
Nesses 22 anos à frente do táxi, já viu de tudo. “Teve história de amor e casamento desfeito. Já peguei passageira para seguir o marido com a amante. Já corri para ajudar uma pessoa que ia fazer uma entrevista de emprego. Já levei gente para velório e dei palavra de conforto. Já comprei remédio. São pequenos detalhes que te dão prazer para trabalhar”.
Ao mesmo tempo em que teve passageiros amistosos, também foi vítima de preconceito. “Algumas mulheres não quiseram entrar no meu táxi pelo fato de eu ser do sexo feminino. A explicação que eu tenho é que elas não devem ter conseguido dirigir ou têm medo do trânsito”, comenta Márcia, que não se importa com esse tipo de análise.
Na maior parte das vezes, as lembranças do ofício são boas, até mesmo do casamento com outro taxista e da filha de 6 anos, fruto da relação. Para conciliar a rotina, a mãe dela cuida da menina. Márcia leva a criança todos os dias para a escola às 7h40 e trabalha até as 21h. Ela conta que, depois da era dos aplicativos, o número de casos de assédio no táxi cresceu porque os passageiros acabam tendo o número dela registrado no celular. “Quando eu percebo que a aproximação ultrapassa as relações profissionais, eu me posiciono e digo que estou fazendo um serviço de transporte e que é o meu trabalho. Rapidamente eles param”, enfatiza a motorista.
E assim ela segue conduzindo seu carro diariamente e lutando pelos direitos da categoria na vida pública e política. Também batalha para que mais mulheres ingressem na profissão. Quando começou, eram somente 12 taxistas em Brasília. Em outros momentos, o número chegou a 80. Mas, após a crise econômica que atingiu o país, houve queda significativa desse número e, atualmente, cerca de 25 mulheres trafegam pelas ruas da capital federal. Clique aqui para ver o vídeo da taxista Márcia de Almeida.
A série Mulheres no Comando continua nesta sexta-feira (9) com a história de Vanessa Cunha, comandante de navio petroleiro da Marinha Mercante.
Fonte: Agência CNT de Notícias